Medina da Rocha – Advogados Associados

A Lei 15.160/25, sancionada em julho, representa um momento de inflexão no ordenamento jurídico brasileiro em relação à forma como o Estado responde aos crimes de violência sexual contra mulheres. Ao modificar os artigos 65 e 115 do Código Penal, a norma retirou de cena uma possibilidade que há décadas beneficiava agressores: a redução da pena ou do prazo prescricional em razão da idade do autor dos fatos, quando este fosse menor de 21 anos na data do fato ou maior de 70 anos no momento da sentença. Essa mudança, embora pontual, revela-se carregada de significado. O Código Penal de 1940, ainda vigente com suas inúmeras reformas, sempre previu circunstâncias atenuantes automáticas ligadas à idade. A justificativa histórica era a de que a juventude e a senilidade implicariam menor capacidade de compreensão da ilicitude ou menor potencial ofensivo da conduta, devendo o Estado tratar com mais indulgência esses grupos etários. Contudo, quando transpostos para crimes sexuais contra mulheres, tais institutos produziam uma consequência perversa: diminuíam a resposta penal justamente em situações em que a violência atinge um dos bens jurídicos mais sensíveis e protegidos pelo Direito — a dignidade sexual. Do ponto de vista técnico, a lei excepciona a aplicação da atenuante do artigo 65, inciso I, e da redução prescricional do artigo 115 do Código Penal. Com isso, o legislador optou por afirmar que a idade do agressor não pode ser levada em conta para diminuir a gravidade da resposta estatal em casos de violência sexual contra a mulher. A medida encontra respaldo na Constituição, especialmente no artigo 226, § 8º, que impõe ao Estado o dever de coibir a violência no âmbito das relações de gênero. Ao retirar um privilégio legal que favorecia exclusivamente o agressor, a nova lei busca reforçar a proteção integral da vítima e dar concretude a esses princípios constitucionais. A norma também se harmoniza com compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como a Convenção Interamericana de Belém do Pará, que exige dos Estados signatários a adoção de políticas legislativas, administrativas e judiciais destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. O impacto social da mudança é igualmente relevante. O Brasil figura entre os países com maiores índices de violência sexual do mundo. Segundo dados oficiais, em 2024 foram registrados mais de 71 mil casos de estupro, média de 196 por dia. Esses números, já alarmantes, não refletem a totalidade do problema, dada a altíssima taxa de subnotificação desse tipo de crime, muitas vezes envolto em silêncio e medo. Todavia, não se deve perder de vista que o Direito Penal, embora importante, não é panaceia. A retirada das atenuantes e da redução prescricional representa um avanço, mas está longe de resolver, por si só, o problema da violência sexual. Assim, a inaugura um novo capítulo na proteção penal das mulheres, mas deve ser lida como ponto de partida, não de chegada. A verdadeira vitória virá quando o sistema jurídico, aliado a políticas públicas eficazes, conseguir não apenas punir os agressores, mas prevenir que tais crimes ocorram, garantindo às mulheres brasileiras uma vida plena, livre e segura.

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Baixe aqui o artigo publicado em 02/09/2025